quinta-feira, 25 de junho de 2009

para onde vou

"Tudo sucede igualmente a todos ; o mesmo sucede ao justo e ao impio; ao bom e ao puro, como ao impuro; ...

Este é o mal que há entre tudo quanto se faz debaixo do sol; que a todos sucede o mesmo; que também o coração dos filhos do homem está cheio de maldade; ...

... come com alegria o teu pão e bebe, com bom coração, o teu vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras.
Em todo o tempo sejam alvos os teus vestidos, e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça.
Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de vida da tua vaidade,... porque esta é a tua porção nesta vida... tudo o que te vier à mão para fazer , faze-o conforme as tuas forças, porque , na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem industria, nem ciencia, nem sabedoria alguma."

Eclesiastes 9



Bom, a concepção de mundo que aqui expus, é a minha. A concepção da natureza humana, é a minha. Por isso, será agora a vez da minha ideia do que fazer com a vida, antes que a morte chegue, pois que é para lá vou.

Não é "o que deve ser", pois que já comemos da árvore do Bem e do Mal... Já cada um sabe o que para si é Bom ou Mau.
E há tantos percursos prováveis, defensáveis e legítimos, quantos o número de seres humanos.

Raramente olhando o mesmo facto vemos as mesmas coisas, mas mesmo que vejamos as mesmas coisas, cada um é possuidor de uma estrutura mental diferente, condicionada genetica e vivencialmente, pelo que cada um as interpreta segundo as "lentes" que tem nos olhos.

Com tijolos rigorosamente iguais podem fazer-se inúmeros edíficios radicalmente diversos, tal como com as 23 letras do alfabeto comunicamos em inesgotável diversidade.
Cada um responde à complexidade das circunstâncias físicas e psíquicas com a sua individualidade, pelo que considero que cada percurso é o melhor para a pessoa que o percorre, nesse determinado momento.

Precisando melhor, e à parte o comportamento anti-social, cada um tem como legítima verdade aquela que, num momento determinado da sua vida, melhor se lhe adapta e responde às suas necessidades interiores, à sua luta pela felicidade.

Eu parti do "Jardim", o de Epicuro, no qual era ensinado que O prazer é o primeiro dos bens. É a ausência de dor no corpo e de inquietação na alma.

Nessa procura incessante do prazer, no Jardim enriquecia-se a vida com tudo aquilo que a pode tornar mais bonita.

Pode até ser um caminho fácil quando se é saudável, jovem, amado e reconhecido, mas nunca nada é como foi ou como será.
Manter o objectivo da conquista do prazer em quaisquer circunstâncias é um objectivo bem mais complexo do que faz supôr.
Não é tão frívolo como parece, é até arrojado.
É suficiente trabalho o da preservação da saúde física e do apaziguamento das inquietações da alma, para estarmos munidos de um projecto de vida ambicioso, apesar de apenas sensato.

À parte a saúde física, que já em si comporta escolhas desafiantes, há a saúde mental...
E há pessoas menos afortunadas... há quem não tenha mentes tão saudáveis, tal como há quem não tenha um estômago forte. Como chegar à ataraxia quando a alma sofre de inquietações?

Em busca da paz interior, sem esquecer o Jardim, passo pelo trabalho de "limpar" os meus atalhos mentais. Aqueles que me impedem de seguir por auto estradas. E toda a gente sabe o quanto as auto estradas são mais confortáveis, como tornam a vida mais fácil.

O trabalho é que não é fácil, muito menos rápido, mas se aprendi no Jardim que o prazer é a ausência de dor no corpo e de inquietação na alma, para o atingir, terei de desobstruir as minhas auto estradas.

Não à força de picaretas, muito menos de dinamite, simplesmente com perseverança e aceitação.
É que, apesar dessa limpeza da alma, que, tal como a da nossa casa, é trabalho regular, não se obtém dele um ser perfeito.
É necessário aceitarmo-nos como somos e o êxito do nosso trabalho mede-se menos pelo resultado que pelo esforço.

Em matéria dessa necessária aceitação, fazem-me sentido os ensinamentos do Oriente, que ensinam como nos aceitar , é certo, mas também como aceitar o fluir das circunstâncias, e nosso lugar nas que efectivamente são as nossas, mesmo que ou quando não nos são favoráveis, ou seja, como lidar com a dor.

Aceitar o fluir das circunstâncias não é passividade, é perguntar, perante o cenário que se nos oferece, que poderemos fazer para ser nele mais feliz.

O Oriente faz-me igualmente sentido, quando afirma que não há ser humano que não sofra pelas angústias que, por serem comuns, se chamam existenciais,

ou seja, ensina-se a compaixão, o ver em cada um, um igual a mim, que sofre sem merecimento e que , seguramente, luta, com os recursos físicos e mentais com que a Natureza o dotou, pela felicidade,

por esse estado de espírito, que se alimenta, acredito, da tomada de consciência da ausência de dor no corpo e de inquietação na alma, que se alimenta de auto-estima, de bondade, de gratidão pelo que temos e/ou conseguimos.

É certo que, para alguns poderá ser um objectivo mais fácil, pois que, por sorte, quem tem mais recursos , lida com a vida de modo mais pró-activo, de modo mais saudável.
Para os outros, o caminho para lá chegar é o da perseverança no cuidado com a alimentação da alma.
Mas, mesmo para os mais saudáveis, quer de corpo, quer de espírito, o caminho apresenta-se complexo, pois que o mundo não foi feito para o homem e somos todos igualmente acometidos pelos dilemas existenciais:a necessidade de nos sentirmos amados; o medo de que pensem que não prestamos para nada; o amor pela vida; o medo da morte.

Assim, para todos a perseverança, é, em si mesma, um longo caminho... nasce do agir com um propósito.

É um caminho longo, pois que ninguém duvida que, embora tudo o que cada um faz, fá-lo para seu prazer, fá-lo em vista da sua felicidade, nem sempre o resultado é o pretendido.
O caminho de que falo não pode parar, pelo menos em desistência, perante um resultado menos feliz.

Tal como se usa regularmente creme na cara. Não o usamos para impedir o envelhecimento da pele e a sua flacidez, mas para que, perante o resultado do desgaste do tempo, nos possamos olhar com o orgulho de quem a ele não se abandonou, de quem persiste na luta de se sentir bem consigo, apesar de se saber à partida quem a vai ganhar.

A alimentação da alma, que visa esse estado mental a que chamo felicidade, é pois um longo caminho, feito de disciplina, onde a resposta ao "porquê o esforço, em vez de fazer simplesmente o que me apetece?" terá, como meta, a resposta "eu valho o esforço"

E não se trata de um esforço estóico, é um esforço feliz, dado que é o prazer dele resultante que é valorizado.

Quer para os mais saudáveis, quer para os menos, independentemente do grau de felicidade a que cada um consegue chegar, o sítio para onde vamos é comum. No Oriente ensina-se como nos convertermos no processo cósmico, ou seja, como aceitar a morte.

Quiseram as condicionantes fisico-quimicas que o homem, diferentemente de uma formiga, precise de um projecto de vida, mas, não é próprio a um ser consciente, esquecer que a lei natural não nos dá estatuto diferente da formiga.

Tudo isto me disponho a aprender, e verifiquei, com espanto, diga-se, que o modo de aí chegar é repetido, exactamente com as mesmas palavras, quer no Jardim quer no Oriente, quietar a mente e exercer domínio sobre mim mesma.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

quem sou eu

" E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: "de toda a árvore do Jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência da bem e do mal, dela não comerás, porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás"

Estas geniais histórias, concebidas por povos nómadas do deserto, histórias que, filtradas de geração em geração, passaram, porque continuavam, e continuam, a fazer sentido, apresentam respostas que se não encontram no que se vê, dão-nos conta dos mais profundos problemas existenciais da Humanidade.

Nelas encontramos tudo o que a natureza humana sofre e sonha.

Também a morte. A nossa capacidade racional, vê-se obrigada a encontar nexos de causalidade. Para um efeito, seguramente há uma causa, exige explicações lógicas e perante o "absurdo" da morte e da vida há que encontrar explicação. E aqui está a explicação. Algures, no tempo, alguém fez algo de errado, algo que o tornou merecedor da expulsão do Jardim do Éden.

"Para um grande número de povos, situados nos estágios mais antigos da cultura, a "origem" significava" a catástrofe (a "perda do Paraíso"); para os paleo-cultivadores, equivalia ao advento da morte e da sexualidade

Os mitos de vários povos aludem a uma época longíqua, em que os homens não conheciam nem o trabalho, nem o sofrimento, nem a morte. Um pecado ritual adulterou a comunicação entre o homem e o deus e desde então, temos de trabalhar para comer e já não somos imortais.
Sob uma forma mais ou menos complexa, o mito paradisiaco encontra-se um pouco por toda a parte no mundo. Comporta sempre um certo número de elementos característicos, para além do toque paradisíaco por excelência , a imortalidade" (Mircea Eliade)



Neste Universo que habitamos, nesta unidade diversa, tudo é subsidiário de alguns denominadores comuns, dado que tudo é proveniente do mesmo "ovo cósmico", que foi do tamanho de um simples ponto matemático, um desses denominadores comuns é que, tudo nasce, tudo luta pela sobrevivência, tudo morre.

O Homem é um ser natural, que partilha a mesma origem, o mesmo percurso e o mesmo destino, quer de uma galáxia, do nosso Sol ou de uma formiga

Distingue-se dos outros seres naturais por pertencer à família dos mamíferos, aqueles animais de sangue quente que se conseguiram adaptar e sobreviver às violentas alterações climáticas ocorridas.

Mamíferos que trouxeram ao Universo a novidade do sentimento, na sua ambivalência do sentir o prazer e do sentir a dor, pelo que é próprio aos mamíferos o comportamento afectivo, é-lhes próprio o sofrimento por não ser alvo de afecto.

E distingue-se, no seio dos mamíferos, por ter sido beneficiado pela posse de inteligência racional, pelo que lhe é dado o poder de raciocinar, poder que se reflecte na procura de meios de sobrevivência tão competitivos, que fazem dele o maior predador da Natureza, como já, antes da descoberta da escrita, o homem tinha disso consciência:

"e Deus disse: frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre peixes do ar, e sobre aves do céu, e sobre todo o animal que se move sobre a terra",

Poder que se reflecte igualmente na procura de explicações para tudo o que vê e sente.
E o que vê e sente, faz lembrar um pêndulo louco. Que é um pêndulo com 2 ou mais braços, que, mesmo se o accionarmos sempre da mesma maneira, certificando-nos até da mesma pressão, nunca o seu movimento é igual.

Numa mente racional não há muito lugar para o absurdo, para o constatar de que o resultado de uma acção nem sempre é o pretendido, por isso consideramos injusto um resultado para o qual tanto se lutou e não se obteve.

E numa mente de um ser com sentimento, com consciência desse sentimento, surge o sentir da derrota, do sofrimento, da injustiça e é necessário encontrar as explicações, é necessário encontrar o sentido das coisas, o sentido da vida e da morte.

A existência de sentimento conjugada com a existência de racionalidade, num ser que habita um mundo que não nasceu para garantir que os seus desejos sejam alcançados, tem o efeito preverso do sofrimento e da angústia.

Somos, no entanto, um entre um número astronómico de seres, que lutam pela sobrevivência, nas circunstâncias que consecutivamente vão sendo criadas por todos, e vemos nascer novas teias de circunstâncias de cada vez maior complexidade, a exigir uma luta sempre mais feroz pela sobrevivência.

É a outra vertente da nossa natureza, aquela em que não nos distanciamos da matriz do "ovo cósmico".

Todos jogamos esse Jogo Cósmico, onde o resultado, tal como em qualquer jogo, pode não ser justo do ponto de vista da aspiração de cada jogador e/ou equipa, mas, no final do jogo, verificando-se como, de cada situação em aberto, o colectivo foi definindo a etapa seguinte, constata-se que aquele foi o unico resultado possivel, dadas as circunstancias de facto criadas e não as possíveis, as que podiam ter acontecido, mas que não foram factualizadas.

O resultado é sempre justo, no sentido de que é lógico, à luz de todas as circunstâncias envolvidas, embora não tenha um final feliz para todos os que nele se envolvem.

Perante os resultados desse interminável jogo, o Universo é indiferente.

Um dia virá em que ao nosso Sol não restará hidrogénio para queimar, e morrerá. Não porque tivesse comido algum fruto proibido, mas por necessidade das leis físico-químicas.

Será um facto cósmico de enorme dimensão. Todo o Sistema Solar perecerá com ele, e o Universo assistirá sem a menor emoção à desintegração de um minúsculo sistema solar, algures numa das 100 biliões de galáxias existentes, e continuará a expandir-se e a criar novas formas de vida, que, se forem inteligentes, jamais saberão sequer que um dia nós existimos.

O Universo é indiferente, nós não.

Nós aspiramos a resultados justos, que são os conformes ao nosso desejo, aspiramos a que a nossa vida, a que a nossa morte, tenham sentido . Mas justiça e sentido da vida não existem na Natureza. O homem não as aprendeu aí.

São necessidades decorrentes da nossa inteligência racional/sentimento, que nos obriga a tudo querer compreender, a procurar explicações e significados e finalidades

Aspiramos a um mundo Bom e Lógico, ou seja, um mundo que correspondesse a uma parte da nossa natureza. Sonhamos com o mundo tal como o do Jardim do Eden ou o do reino do Messias, onde, como diz Isaias "morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e a nédia ovelha viverão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e os seus filhos juntos de deitarão; e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca do áspide, e o já desmamado meterá a sua mão na cova do basílico"; sonhamos com a vida pos-mortem, onde aí sim, finalmente se fará justiça.

Mas não podemos esperar no planeta Terra, a concretização desse sonho, do sonho de mundo que, se fossemos deus faríamos.

E sabemos que o mundo não se rege pela nossa noção de justiça que ao erro castiga e à boa acção honra, ou seja, não podemos encontrar "justiça" num Universo que não é regido por sentimentos, não podemos esperar sentido de vida de um Universo violento e indiferente, regido pela feroz lei da sobrevivência, onde à medida que se encontram soluções para problemas, essas mesmas soluções são a origem de novos problemas, sempre mais complexos, per omnia saecula saeculorum, sem meta, sem plano, sem objectivo.


Ora, aceita-se como marco do aparecimento do homo sapiens, o fabrico de objectos úteis, feitos, portanto, com intenção de alguma coisa.

É própria à nossa inteligência a noção de finalidade. Fizémos desta insolvência a nascente dos deuses e das religiões.

Deuses a religiões nascem desse detalhe: de termos inteligência e capacidade racional suficientes para saber que neste mundo sofremos sem merecimento

Por isso nunca devemos comer o fruto da árvore do Bem e do Mal, para não digerirmos a consciência de que a vida e morte dos humanos tem o mesmo sentido que a vida e a morte de uma galáxia, de uma estrela, de uma formiga.

É dolorosa essa constatação, pelo menos para quem sofre aquele efeito preverso de ser inteligente, que é o de sofrer conscientemente um mundo que não se apresenta à sua imagem e semelhança.

Mas lutamos pela felicidade... e de um modo inteligente! Quando na Natureza, refiro-me ao hemisfério Norte, não há luz nem cor, quando as árvores estão nuas, vestimo-las de luz e de cor.


Não há felicidade na necessidade física, mas a sua supressão não é felicidade, é conforto.
Por vezes, a teia das circunstâncias é-nos favorável, costumamos chamar a isso felicidade, mas, a harmonia do desejo próprio com as circunstâncias, esse resultado que é espelho dos nossos desejos, é tão só uma probabilidade, e porque a dinâmica do sistema o impõe, não é eterna.
Por isso, acredito que a felicidade é um bem-estar mental, depende da mente.

Mas... não é possível esquecer umas coisas, as quais ainda não enquadrei neste texto, a saber: o homem, não tem apenas uma inteligência racional e sentimentos, tem uma outra vertente na sua natureza- a de ser um animal, um animal gregário.

A sociedade humana não é o reino da bem-aventurança, como, utilizando apenas as nossas capacidades "específicas" de inteligência e sentimento, o poderia ser.

Não é possível fugir à nossa natureza intrinseca de ser natural, na qual o elemento mais fraco, o menos apelativo, o menos competitivo, é marginalizado pelo colectivo.

É um mau elemento, desaptado, sem culpa nem pecado, um fruto da Natureza que não convém perpetuar neste mundo hostil e adverso, onde a vitória está sempre do lado do mais forte, do mais apto.

O mais bonito, o mais inteligente, o mais hábil, não é certamente o que mais precisa, mas é aquele a quem mais estamos dispostos a beneficiar, a amar.

No longo percurso de adaptação às circunstâncias todos os seres se transformaram, mas o homem, não só se transformou a si próprio, como ao meio onde vive, visando a criação de circunstâncias para si benéficas, ou seja, é co-criador intencional do mundo, da sociedade, da sua própria vida.

É, portanto, um sujeito activo (porque participa conscientemente na feitura da realidade factica) e em simultâneo um sujeito passivo ( pois tem por cenário o que vai surgindo, fruto da criação de todos os elementos naturais)

A luta pela sobrevivência leva a que, no Universo, como na sociedade humana, cada um lute pelo melhor para si, e, para que o resultado dessa luta seja favorável ao indíviduo, é indispensável a adaptabilidade.

Ser apto é sê-lo aqui e agora, é o que sobrevive, pelo que se pode confundir, ao nível da sociedade humana, a luta pela sobrevivência com a luta pelo poder.

A luta pelo poder é transversal quer à actividade humana, quer às relações inter-pessoais. Até mesmo a paixão, estado alterado de consciência, que faz do mundo que se vê uma bela realidade, não escapa a ser palco de tal luta.

Por ser em absoluto transversal à actividade humana, o homem, enquanto animal gregário, é também um animal político, por isso a guerra é própria ao homem, tal como o é inerente ao Universo.

A diferença está em que não somos capazes de ignorar a nossa outra vertente natural, a do sentimento, a da racionalidade, por isso, ninguém defende a guerra, é sempre culpado o outro, e as razões para consumo público, são sempre publicitadas segundo os valores da nossa vertente "humana"...
À sombra dos mais belos ideais cometeram-se, e cometem-se, as maiores crueldades.

terça-feira, 9 de junho de 2009

de onde venho

E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o folego da vida; e o homem foi feito alma vivente. E plantou o Senhor Deus um Jardim no Eden, da banda do oriente; e pôs ali o homem que tinha formado. E o Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida... E saía um rio do Eden para regar o jardim... E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Eden, para o lavrar e o guardar."

É repousante ler estas linhas, é um bálsamo para a alma o ouvir que a Terra foi criada, com cuidado e amor, para o Homem nela viver feliz.Mas, todos sabemos que isso foi in illo tempore, no tempo mítico do "Era uma vez"

Seria até bom ficar na doçura destas linhas, já que, nada mais para além delas, me diz que o mundo foi criado, com amor, para o homem.

Tenho como convicção que o Universo actualmente conhecido surgiu de uma espécie de buraco negro. De um ponto minusculo carregado de energia.

Não tenho grande ideia sobre o quando ou o porquê da libertação dessa energia, mas acredito que o Universo era, antes do Big Bang, do tamanho desse minusculo ponto.

O que quer que seja que fez libertar essa energia, ocasionou o aparecimento das primeiras partículas, que estruturam desde então o Universo.
E, tenho como convicção profunda a ideia de que foi nesse preciso momento, o da libertação da energia contida nesse ponto, que se iniciou o Jogo cósmico.

Chamo-lhe Jogo, mas é um jogo inicialmente sem qualquer regra, é um Jogo em absoluto aberto.
Não tinha determinação prévia de quais as etapas a percorrer, nem de qual o objectivo a alcançar.

Isto foi para aí há uns 15 biliões de anos

Como imagino eu que se desenrolou esse Jogo? Bom... a existência de uma partícula de uns tantos elementos químicos simples abrem, por si só, uma infinidade de possibilidades de combinações.

Ao primeiro desenrolar de fenómenos químicos, vejo-o como a concretização, entre uma infinidade de possibilidades, duma que simplesmente aconteceu, e não qualquer outra originàriamente possivel, pois, tal como nas palavras de um poeta andaluz "caminante non hay camino, se hace el camino al andar"

Essa possibilidade concreta foi determinada pelo acaso da interacção desta partícula concreta com aqueloutra, pela luta pela sobrevivência de cada elemento, de cada átomo , que dessa interacção resultaram, pela sobrevivência que visava o seu maior bem-estar

E foi determinante para a criação do passo seguinte, dado que foi a base na qual se tornou possível o desenrolar de nova etapa , a qual, igualmente, de início, poderia ter uma infinidade de saídas.

Como um jogo, onde tudo está inicialmente em aberto e, no fim do tempo regulamentar, o resultado é aquele e não poderia ter sido outro, se observarmos não o que poderia ter acontecido, mas o que o colectivo fez acontecer de facto.

Essas possibilidades são infinitamente acrescidas pelo facto de todos os elementos químicos, ao conjugarem-se, abrirem caminho ao surgimento de novas e dinânicas e complexas entidades fisico-quimicas, até então inexistentes.
As quais, por sua vez, abrirão novas e ainda maiores possibilidades de combinações, delas resultando sempre mais complexas entidades fisico-quimicas, num processo infindável de criação do Universo, processo esse que dura até aos nossos dias, - dias em que se sabe que o Universo se continua a expandir-, processo de criação que durará depois de eu morrer.

No seu longo processo de (trans)formação, cada entidade foi encontrando, no conjunto em que se insere, o seu mais adequado meio de sobrevivência.

Este equilíbrio é frágil, o acordo que o colectivo atingiu em determinada etapa é fruto de luta interna, porque todos os organismos estão permanentemente comprometidos na resolução dos seus próprios problemas.

O Universo nunca foi sereno. Surgiu de uma explosão cósmica. A luta, que é universal, é violenta:
as estrelas de neutrões cuja matéria foi comprimida num espaço de poucos kilómetros e cuja rotação en milésimas de segundo geram campos magnéticos brutais (púlsares); o colapso explosivo de estrelas massivas aquando da sua morte (supernovas) ; raios gamma que libertam, em apenas uns segundos, a mesma energía que um bilião de bombas ...

o encontro das placas tectonicas que propaga ondas sísmicas; uma erupção de um vulcão submarino que provoca tsunamis; um centro de baixa pressão atmosférica, que alcançando o chão toma a forma de tornado;


Mas uma grande catastrofe natural pode criar condições tão radicalmente diferentes das anteriores, que mude o cenário:

a queda de gigantescos meteoritos sobre o nosso planeta, há cerca de 65 milhões de anos, impediu-o de receber luz solar e assim desapareceram os dinossauros, animais de sangue frio, mas possibilitou a sobrevivência da espécie dos mamíferos, animais de sangue quente, os quais, reposto o percurso da luz e do calor, pôde dar azo ao aparecimento de novas espécies de mamiferos, entre os quais nos encontramos;


um grupo especifico de bacterias, foram os primeiros organismos vivos a realizarem a fotossintese , produziram o oxigénio, mas morreram na presença tóxica do oxigénio, ao qual nós devemos a vida e a oxidação que nos envelhece;


a passagem do Homem de ser herbívoro a omnívoro, aconteceu devido a uma catastrófica alteração climática, aí há uns 3 ou 4 milhões de anos, responsável por tal carência de vegetais, que nos levou até a alterar a dentadura, para nos possibilitar comer frutos secos e carne


Assim, o Universo ( a diversidade do Uno) é, para mim, um organismo único, cujo desenvolvimento é fruto da necessidade de cada um dos elementos resolver os seus problemas a seu contento.

Há no entanto a considerar que o resultado encontrado, apesar do seu empenho na luta, pode ser-lhe desfavorável .

Como num Jogo... em que cada jogador tem o máximo interesse em brilhar, mas pode acontecer que ganhe a equipa contrária.

É que não está só. Faz parte de um colectivo universal... onde se conta com a mesma determinação em todos os outros, pelo que as soluções encontradas não são eternas.

Nada está pré-definido, é através da acção de cada entidade que se vai criando o conjunto circunstancial que dará origem a outra realidade.

E, se a acção de cada um tem um objectivo de luta pelo seu bem estar, o resultado alcançado não tem qualquer intenção de finalidade, é decorrente do acontecido.


Quis o acaso físico-químico que, num ser natural surgisse a inteligência, a consciência

É este o sítio de onde venho
É seguramente uma visão bem menos reconfortante do que aquela que o Genesis nos sugere.


Os mitos, tal como os contos de fadas, são respostas a mistérios vividos por seres humanos, que tentam comunicá-los o melhor que sabem e podem, e são passados de geração em geração,( enriquecidos e filtrados com e pelas vivências de cada contador) , porque continua a fazer sentido , de geração em geração, a procura de respostas às questões neles colocadas.
Mas, se mitos e contos de fadas respondem a angustias existenciais com um simbolismo de tamanha beleza, eu também procuro esse apaziguamento do modo que me é possível.