quinta-feira, 18 de setembro de 2014


Preciso desesperadamente de Deus.


Eu tal como todos os homens.


Na pré-história, período que ocorre desde há 3 ou 4 milhões de anos, aquando do aparecimento na Terra do género Hominideo, até há 5 mil e quinhentos anos, aquando da descoberta da escrita, os homens deram por si num mundo profundamente hostil e não só por questões climatericas. Havia animais com os quais disputava território e comida. Por vezes eram eles próprios a comida dos outros animais.


Somos um animal gregário, muito antes do homo sapiens, os vários hominideos juntaram-se em tribos, tal como por exemplo, os lobos em alcateias.

Somos também um animal inteligente - essa é a cracterística que nos distingue de todos os outros - uma inteligência que desde sempre nunca deixámos de desenvolver.



Estamos na pré-história, (ainda antes da descoberta do fogo, que só aparece há cerca de 2 milhões de anos atrás, com o homo erectus), estamos na época da pedra lascada , na época do homo habilis, cuja habilidade lhes permite trabalhar a pedra e surgem os primeiros utensílios, utensílios que lhes vão dar vantagem na hora da caça e torná-los no maior predador.


Os homens partilham o destino dos restantes animais, mas sente-se no entanto bem superior a eles: é inteligente


Uma das características da inteligência é a consciência e o homem tem consciencia de que o mundo lhe é hostil, tem consciencia do seu próprio sofrimento.


A vida é dura, teem de evitar ser comidos e teem de matar para comer. E as diferentes comunidades humanas, espalhadas pelo mundo, inventam códigos de comunicação entre si: a linguagem

E, tal como uma criança de 3 anos, assim que dominam a linguagem se pergunta "porquê?", o homem perguntou-se sobre os porquês do mundo e do homem ele próprio, os porquês do sofrimento, da doença e da morte.


Surgiram as primeiras explicações, que foram sendo desenvolvidas nas tradições orais, pelos diferentes grupos, ao longo dos milénios que compõem a pre´-história. Foram-se aperfeiçoando ao longo de gerações, enriquecendo-se de valor simbólico, tal como, por exemplo, os contos de fadas.


Essas historias falam dos mais ancestrais problemas humanos, aqueles que continuamos a ter porque nos falam do que continuam a ser os nossos reais problemas existenciais.


Para a explicação do mundo e do aparecimento do homem, todas as histórias nos falam de um deus criador.Às vezes só um, às vezes um par, ou de um grupo de deuses.


Criaram o Mundo e nele instituíram a sua ordem. Trata-se sempre de um mundo criado para o homem para a sua própria tribo, para a sua própria comunidade, que ocupa sempre o centro do mundo.


Não há um povo, dos Maias aos Egípcios, dos Hindus aos Sumérios, dos Judeus aos chineses; não há uma tribo, desde os índios na América do Norte, às da Amazónia, da Escandinavia ao Japão, da Indonésia ao mais recondito do planeta, de que não nos tenham chegado documentos (que foram passados a escrito aquando da descoberta da escrita) que são o resultado de historias contadas ao longo de milénios, de geração em geração.


É compreensível, Somos inteligentes e procuramos entender os porquês das coisas.


Mas é claro que, apesar de já terem inventado a linguagem e descoberto o fogo, as histórias explicativas dos mistérios da origem do mundo e do homem, só podem ser o reflexo do pouco que conheciam.


E o que mais conheciem era o poder implacável da Natureza.


O homem, que ainda não sabia escrever, precisou de inventar seres protectores que o ajudassem a suportar a dureza da vida.


Todos os deuses criadores são sempre reflexo da Natureza ela própria: são implacáveis e cruéis, e também reflexo do próprio homem: os deuses lutam pelo poder, castigam os que se opõe ao seu poder, que desejam absoluto, tal como nas diversas tribos ou organizações sociais de então os homens fariam, exigem sacrifícios ou oferendas, tal como se faz a um homem a quem se quer agradar.


Quanto ao deus criador não tenho qualquer problema.


É certo que não me importava que houvesse um ser omnipotente que me protegesse de todos os fenómenos naturais que me podem provocar sofrimento, mas, se ele fosse omnipotente, o que deveria fazer era um mundo sem tais dramáticos acontecimentos, porque, a acontecer um desses fenómenos, mesmo que protegesse uns, sempre haveria vítimas em quaisquer outros.



É claro, para o homem pré-histórico, a sua tribo, o seu povo, é sempre o povo escolhido...


200 000 mil anos após o aparecimento do homo sapiens, sabemos como tudo foi e continua a ser criado. A ciencia dá-me todas as respostas a todos os meus porquês.


Os cientistas continuam a percorrer o mesmo caminho começado a percorrer há 200 000 anos, com o homo sapiens, de tentar compreender o funcionamento da Natureza.


Mas, para além de todos os mitos cosmológicos, que são os que explicam o aparecimento do mundo e a sua organização, há mais questões que precisavam de respostas.


Há mais porquês para os homens da pré-história: o sofrimento , a doença, a morte .

Não há um povo ou tribo que não tenha deixado explicação para esses insólitos factos da vida.


Todos se questionam sobre o seu porquê e todos os explicaram como um castigo infligido pelos deuses perante a má conduta humana.


De facto, dizem eles, nem sempre assim foi. Os deuses afinal criaram um mundo perfeito, no início dos tempos houve um paraíso, agora perdido.


Nesse paraíso os homens viviam como eles achavam ( e nós continuamos a achar) que o homem merecia e precisava de viver. Perdemos esse paraíso por castigo dos deuses.


No fim da era glaciar, há cerca de 10 000 anos, ainda antes do homo sapiens, habitava a Terra o homem do Neanderthal , quando os gelos polares derreteram a terra inundou, o nível das águas do mar aumentou e houve muita terra inundada. Em todos os relatos do Dilúvio, dos povos da America do Sul aos povos do Mediterraneo, da China à Austrália, por todo o lado onde havia homens , o Diluvio Universal foi um castigo divino .


É que, de facto, o homem pré-histórico afirmou-se como o maior predador. Por vezes face à sua própria espécie - a guerra é tão antiga quanto o homem.

As tribos lutavam entre si por território de caça, por mulheres, e , depois da descoberta da agricultura

( por volta de há 6 000 anos , altura em que novos deuses passaram a ser adorados _ deuses agricolas : o sol, a lua, os rios, a chuva, e as sociedades sedentarizaram-se surgindo as cidades)

depois da descoberta da agricultura, a guerra passou a ser pelos terrenos mais ferteis, pela conquista das mais ricas cidades, e da cobiça constante de mais poder, surgiram os primeiros impérios.


No Neolitico, o homem ainda não sabia escrever, mas os primeiros impérios já existiam, fruto de muita guerra.


Surgem então os deuses da guerra, os senhores dos exercitos, que levavam os seus protegidos à vitória.

Os homens cometiam pois os "erros" que lhe advinham da sua própria natureza, que é a de predador, o mais perigoso de entre todos os outros predadores, porque inteligente .


Esse foi o "erro" que alguns admitiram que fosse a causa do castigo divino.

O Homo sapiens é o mais agressivo de todos os hominideos. Foi essa a chave do seu sucesso, e, quem sabe, a razão pela qual apenas ele sobreviveu. Estará neste facto a raiz da lenda de Abel e do Caim?

A lenda reflecte um período em que já existe agricultura, um periodo em que uma nova civilização ( homo sapiens) elimina a outra (homo de Neanderthal) . Mas isso é só uma suposição minha...

Outros pensaram que o erro cometido tinha a ver com a outra essência do homem: a sua inteligência!

Traduzida na curiosidade face ao mundo que o rodeia. Pensaram que essa curiosidade que levou ao domínio de alguns "mistérios" teria sido entendida pelos deuses todo poderosos como um desafio... Estavam a ameaçar os senhores únicos do conhecimento. ..


De um ou de outro modo, ou de ambos em simultâneo, todos encontraram a explicação do castigo divino na própria essência do homem : . agressivos e inteligentes


E os Deuses castigaram os homens por serem homens!


Os mitos de paraíso perdido são comuns a muitas culturas diferentes, e ainda hoje estão presente nas principais religiões.

É um mito muito poderoso. Se por um lado explica a sofrimento e morte, ( o castigo) , por outro lado é o relato mítico do aparecimento da consciência humana.


Não há ser vivo que não sofra e que não morra, mas só uma mente inteligente pode disso ter consciência.

Tem para mim ainda outra leitura: é igualmente o relato mítico da infância ela própria. Na infância , tomada como símbolo, tudo é perfeito, temos tudo e nada precisamos de fazer para o ter, somos protegidos por seres todo poderosos...

Esse estado só acaba definitivamente na puberdade, quando o desejo sexual nos obriga a fazer o nosso caminho. É a expulsão do Paraíso, o fim da infância protegida.


Sofrimento e morte são leis naturais, comuns a todos os seres vivos, São leis naturais inseridas no mais profundo ADN da Natureza , que é implacável e absolutamente indiferente ao sofrimento que causa em seres inteligentes.


A Natureza não foi feita para os homens. Aparecemos cá, na imagem de Carl Sagan que reduziu toda a existência do Universo à escala d um ano civil, no último segundo do dia 31 de Dezembro.


Sujeitos às leis da Natureza, os homens sofrem e têem disso consciência. Mas as leis naturais ocorrem simplesmente, assim como, por exemplo, os fenómenos atmosféricos.


A teoria do Caos é uma das leis mais importantes do Universo. A sua ideia central diz que, apesar de tudo ser regido por leis matemáticamente demonstradas, a complexidade do Universo, que é uma realidade dinâmica, está constantemente sujeita a algum imprevisto e, por muito pequeno que ele seja, pode desencadear fenómenos que podem alterar por completo o padrão inicial.


Os imprevistos são imprevisiveis, mas incorporam o padrão inicial, fazendo com que o desfecho, se bem que imprevisível de início, se desenvolva segundo as mesmas leis naturais, dando origem a uma outra realidade.


Por exemplo, um jogo de football. É imprevisível no seu início, mas, o decorrer das acções de cada equipa , por muito imprevisíveis que sejam, resultam num resultado compreensível à luz de tudo o que ocorreu.


Em 1960, Edward Lorenz, um meteorologista, descobriu que um fenómeno aparentemente simples, e até marginal, podem provocar alterações gigantescas. A sua famosa expressão " o bater das asas de uma borboleta na Austrália pode causar, algum tempo depois, um furacão nos Estados Unidos".


O "efeito borboleta" foi estudado pelo matemático Mandelbrot , que em 1970 demonstrou que todo o Universo se foi moldando e criando segundo este modelo.


O número infinito de elementos que compõem o Universo segue o seu rumo, determinado pelas leis naturais, mas entra sempre, num ou noutro momento, em colisão com outro elemento, que segue ele próprio o seu rumo, sendo o resultado altamente diferente do que se esperaria que fosse, analisando cada um dos elementos de per si. Apesar da matemática que os fundamenta, nada, mas mesmo nada neste Universo, é previsível.


O sofrimento humano, quer ele seja causado por outros homens na sua infinita luta pelo poder, quer ele seja causado por problemas genéticos, ou doenças adquiridas, ou seja saúde física, quer seja causado por dificuldades pessoais de integração e de sucesso na sociedade onde nos inserimos, ou seja saúde mental, é natural e não preciso de deus para responder aos meus porquês.


Mas, se o sofrimento foi entendido pelos nossos antepassados como castigo para o seu mau comportamento, a morte parece inexplicável...


O homem do Neanderthal, que teria aparecido há cerca de 1 milhão de anos, e chegou a ser contemporâneo do homo sapiens, foi o 1º a sepultar os seus mortos e os homens não mais o deixaram de fazer, embora segundo rituais diferentes.


Diferentes também foram os mitos que todos os povos criaram à volta da morte, no entanto, todos teem um denominador comum: todos eles nos falam de uma vida após a morte, todos nos falam de uma morte como continuação da vida.


Perante mistério tão grande para quem pensa, sente e sofre, para quem se vê como superior aos outros animais, que, claro, também eles morrem, mas... o homem é diferente, é isso que sente o homem do Neanderthal, e será isso que isso que irá sentir o homo sapiens, o homem logicamente mereceria um destino diferente.


É a mais brutal realidade da vida e, na nossa eterna procura de responder a "porquês" , a morte para o homem da pré-história não fez qualquer sentido.


A não ser ... que não houvesse uma cisão abrupta entre a vida e morte.


A não ser... que no pós morte tivéssemos a recompensa pelo que aqui sofremos.

Outros há que acreditam que vivemos inúmeras vezes em corpos diferentes. Esta ideia é a minha preferida; se tivesse sido eu a criar o mundo e os homens era assim que o faria.


Quem não gostaria que a vida fosse uma aprendizagem e que, ao chegar ao seu fim físico, a nossa alma, seja lá isso o que for, poderia incarnar noutro corpo e desta vez fazer melhor.

Era fantástico! Só era mesmo preciso, para isso fazer sentido, é que nos lembrássemos das lições aprendidas...

Para uns, os mortos ficavam a observar os vivos, não tinham influência nas suas vidas, mas entretinham-se a vê-los. Para outros, os mortos interferiam na vida dos vivos, podendo ser negativa ou positivamente.

Mas, para todos sem excepção, de um ou de outro modo, os antepassados são objecto de culto, o que continua, até aos dias de hoje.


O culto dos antepassados hoje, na nossa cultura ocidental, são os santos, ou os nossos familiares que alguns acreditam que nos vêem e protegem.


Isso sem dúvida aproxima o homem da morte com menos terror.


É claro que uma estrela não sofre ao ser comida por outra, ou ao morrer porque esgotou o seu nucleo combustor, mas diferente das estrelas, das plantas e dos animais ( entre os quais o homem, que só difere por ser inteligente) , o homem morre e sofre com isso, pois a sua grande vida fica num segundo destituída de sentido.


Todas estes mitos nos falam ao nosso mais profundo, tal como um conto de fadas ou uma ópera, por exemplo. Ouvimo-los e vemo-los vezes sem conta, e sempre , por muito que a nossa realidade seja distinta, o essencial sempre fala ao nosso inconsciente, às nossas mais profundas angustias existenciais.


Por muito brutal que seja a realidade da minha morte, não é também para lhe dar sentido que necessito de deus.


O sentido da morte é, para mim, o sentido da vida. Fenómenos naturais que acontecem porque e não para que, tal como na Natureza, onde tudo acontece por uma razão determinada e não com finalidade alguma.


Com o aparecimento dos primeiros impe´rios, no Neolítico, na organização social surgiu uma nova realidade: os vencidos das cidades ou imperios mais pequenos conquistados, ou seja, surgiram os escravos.


O sofrimento atingiu outro patamar, para além do implacável da Natureza física, os homens passam a defrontar-se com a implacável natureza humana e a Justiça passou a ser uma aspiração das vítimas.

E é deste deus que eu preciso. Aquele que não foi inventado pelos homens pré-históricos , entre os quais o deus bíblico, e Alá, pois esses deuses não tinham no seu ADN a bondade e a compaixão.


Não preciso dos deuses que o homem da pré-história inventou, castigadores e guerreiros, sem pingo de compaixão ,e algo sádicos e sedentos de poder absoluto, mas de um deus bondoso, que ali estivesse para me ouvir e ajudar, um deus justo, que, embora não tivesse criado o mundo, pois que o mundo não é de todo justo, basta olhar em volta para perceber que ninguém de bom coração poderia ter criado deliberadamente uma ordem natural tão injusta e causadora de tanto sofrimento. Ora ,se ninguém de bom coração o criaria assim ,porque haveria um ser omnipotente de assim o criar, se fosse bom ?

Pronto, um deus que não criou o mundo , mas que nos ajudasse a percorrer os caminhos injustos da vida, que nos conhecesse tão bem, que nos compreendesse realmente.


Ora bolas, mas isso é o que dizem que deus é...


Dizem, porque precisam, tal como eu, que exista um pai bom e justo, que me ame e esteja disponível para me guiar na vida, para me mostrar as vias possíveis e as consequências de cada uma, que me proteja dos outros homens, mais fortes e mais aptos que eu, capazes de me engolir na sua luta por mais poder.


Têm sorte os crentes , porque não há um único texto sagrado de qualquer religião que diga que deus é bom e justo. No máximo é bom para os escolhidos, e mesmo assim quase nunca. Só que vestiram esse deus já existente daquilo que precisam, aquilo que também eu preciso.