quarta-feira, 17 de junho de 2009

quem sou eu

" E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: "de toda a árvore do Jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência da bem e do mal, dela não comerás, porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás"

Estas geniais histórias, concebidas por povos nómadas do deserto, histórias que, filtradas de geração em geração, passaram, porque continuavam, e continuam, a fazer sentido, apresentam respostas que se não encontram no que se vê, dão-nos conta dos mais profundos problemas existenciais da Humanidade.

Nelas encontramos tudo o que a natureza humana sofre e sonha.

Também a morte. A nossa capacidade racional, vê-se obrigada a encontar nexos de causalidade. Para um efeito, seguramente há uma causa, exige explicações lógicas e perante o "absurdo" da morte e da vida há que encontrar explicação. E aqui está a explicação. Algures, no tempo, alguém fez algo de errado, algo que o tornou merecedor da expulsão do Jardim do Éden.

"Para um grande número de povos, situados nos estágios mais antigos da cultura, a "origem" significava" a catástrofe (a "perda do Paraíso"); para os paleo-cultivadores, equivalia ao advento da morte e da sexualidade

Os mitos de vários povos aludem a uma época longíqua, em que os homens não conheciam nem o trabalho, nem o sofrimento, nem a morte. Um pecado ritual adulterou a comunicação entre o homem e o deus e desde então, temos de trabalhar para comer e já não somos imortais.
Sob uma forma mais ou menos complexa, o mito paradisiaco encontra-se um pouco por toda a parte no mundo. Comporta sempre um certo número de elementos característicos, para além do toque paradisíaco por excelência , a imortalidade" (Mircea Eliade)



Neste Universo que habitamos, nesta unidade diversa, tudo é subsidiário de alguns denominadores comuns, dado que tudo é proveniente do mesmo "ovo cósmico", que foi do tamanho de um simples ponto matemático, um desses denominadores comuns é que, tudo nasce, tudo luta pela sobrevivência, tudo morre.

O Homem é um ser natural, que partilha a mesma origem, o mesmo percurso e o mesmo destino, quer de uma galáxia, do nosso Sol ou de uma formiga

Distingue-se dos outros seres naturais por pertencer à família dos mamíferos, aqueles animais de sangue quente que se conseguiram adaptar e sobreviver às violentas alterações climáticas ocorridas.

Mamíferos que trouxeram ao Universo a novidade do sentimento, na sua ambivalência do sentir o prazer e do sentir a dor, pelo que é próprio aos mamíferos o comportamento afectivo, é-lhes próprio o sofrimento por não ser alvo de afecto.

E distingue-se, no seio dos mamíferos, por ter sido beneficiado pela posse de inteligência racional, pelo que lhe é dado o poder de raciocinar, poder que se reflecte na procura de meios de sobrevivência tão competitivos, que fazem dele o maior predador da Natureza, como já, antes da descoberta da escrita, o homem tinha disso consciência:

"e Deus disse: frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre peixes do ar, e sobre aves do céu, e sobre todo o animal que se move sobre a terra",

Poder que se reflecte igualmente na procura de explicações para tudo o que vê e sente.
E o que vê e sente, faz lembrar um pêndulo louco. Que é um pêndulo com 2 ou mais braços, que, mesmo se o accionarmos sempre da mesma maneira, certificando-nos até da mesma pressão, nunca o seu movimento é igual.

Numa mente racional não há muito lugar para o absurdo, para o constatar de que o resultado de uma acção nem sempre é o pretendido, por isso consideramos injusto um resultado para o qual tanto se lutou e não se obteve.

E numa mente de um ser com sentimento, com consciência desse sentimento, surge o sentir da derrota, do sofrimento, da injustiça e é necessário encontrar as explicações, é necessário encontrar o sentido das coisas, o sentido da vida e da morte.

A existência de sentimento conjugada com a existência de racionalidade, num ser que habita um mundo que não nasceu para garantir que os seus desejos sejam alcançados, tem o efeito preverso do sofrimento e da angústia.

Somos, no entanto, um entre um número astronómico de seres, que lutam pela sobrevivência, nas circunstâncias que consecutivamente vão sendo criadas por todos, e vemos nascer novas teias de circunstâncias de cada vez maior complexidade, a exigir uma luta sempre mais feroz pela sobrevivência.

É a outra vertente da nossa natureza, aquela em que não nos distanciamos da matriz do "ovo cósmico".

Todos jogamos esse Jogo Cósmico, onde o resultado, tal como em qualquer jogo, pode não ser justo do ponto de vista da aspiração de cada jogador e/ou equipa, mas, no final do jogo, verificando-se como, de cada situação em aberto, o colectivo foi definindo a etapa seguinte, constata-se que aquele foi o unico resultado possivel, dadas as circunstancias de facto criadas e não as possíveis, as que podiam ter acontecido, mas que não foram factualizadas.

O resultado é sempre justo, no sentido de que é lógico, à luz de todas as circunstâncias envolvidas, embora não tenha um final feliz para todos os que nele se envolvem.

Perante os resultados desse interminável jogo, o Universo é indiferente.

Um dia virá em que ao nosso Sol não restará hidrogénio para queimar, e morrerá. Não porque tivesse comido algum fruto proibido, mas por necessidade das leis físico-químicas.

Será um facto cósmico de enorme dimensão. Todo o Sistema Solar perecerá com ele, e o Universo assistirá sem a menor emoção à desintegração de um minúsculo sistema solar, algures numa das 100 biliões de galáxias existentes, e continuará a expandir-se e a criar novas formas de vida, que, se forem inteligentes, jamais saberão sequer que um dia nós existimos.

O Universo é indiferente, nós não.

Nós aspiramos a resultados justos, que são os conformes ao nosso desejo, aspiramos a que a nossa vida, a que a nossa morte, tenham sentido . Mas justiça e sentido da vida não existem na Natureza. O homem não as aprendeu aí.

São necessidades decorrentes da nossa inteligência racional/sentimento, que nos obriga a tudo querer compreender, a procurar explicações e significados e finalidades

Aspiramos a um mundo Bom e Lógico, ou seja, um mundo que correspondesse a uma parte da nossa natureza. Sonhamos com o mundo tal como o do Jardim do Eden ou o do reino do Messias, onde, como diz Isaias "morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e a nédia ovelha viverão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e os seus filhos juntos de deitarão; e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca do áspide, e o já desmamado meterá a sua mão na cova do basílico"; sonhamos com a vida pos-mortem, onde aí sim, finalmente se fará justiça.

Mas não podemos esperar no planeta Terra, a concretização desse sonho, do sonho de mundo que, se fossemos deus faríamos.

E sabemos que o mundo não se rege pela nossa noção de justiça que ao erro castiga e à boa acção honra, ou seja, não podemos encontrar "justiça" num Universo que não é regido por sentimentos, não podemos esperar sentido de vida de um Universo violento e indiferente, regido pela feroz lei da sobrevivência, onde à medida que se encontram soluções para problemas, essas mesmas soluções são a origem de novos problemas, sempre mais complexos, per omnia saecula saeculorum, sem meta, sem plano, sem objectivo.


Ora, aceita-se como marco do aparecimento do homo sapiens, o fabrico de objectos úteis, feitos, portanto, com intenção de alguma coisa.

É própria à nossa inteligência a noção de finalidade. Fizémos desta insolvência a nascente dos deuses e das religiões.

Deuses a religiões nascem desse detalhe: de termos inteligência e capacidade racional suficientes para saber que neste mundo sofremos sem merecimento

Por isso nunca devemos comer o fruto da árvore do Bem e do Mal, para não digerirmos a consciência de que a vida e morte dos humanos tem o mesmo sentido que a vida e a morte de uma galáxia, de uma estrela, de uma formiga.

É dolorosa essa constatação, pelo menos para quem sofre aquele efeito preverso de ser inteligente, que é o de sofrer conscientemente um mundo que não se apresenta à sua imagem e semelhança.

Mas lutamos pela felicidade... e de um modo inteligente! Quando na Natureza, refiro-me ao hemisfério Norte, não há luz nem cor, quando as árvores estão nuas, vestimo-las de luz e de cor.


Não há felicidade na necessidade física, mas a sua supressão não é felicidade, é conforto.
Por vezes, a teia das circunstâncias é-nos favorável, costumamos chamar a isso felicidade, mas, a harmonia do desejo próprio com as circunstâncias, esse resultado que é espelho dos nossos desejos, é tão só uma probabilidade, e porque a dinâmica do sistema o impõe, não é eterna.
Por isso, acredito que a felicidade é um bem-estar mental, depende da mente.

Mas... não é possível esquecer umas coisas, as quais ainda não enquadrei neste texto, a saber: o homem, não tem apenas uma inteligência racional e sentimentos, tem uma outra vertente na sua natureza- a de ser um animal, um animal gregário.

A sociedade humana não é o reino da bem-aventurança, como, utilizando apenas as nossas capacidades "específicas" de inteligência e sentimento, o poderia ser.

Não é possível fugir à nossa natureza intrinseca de ser natural, na qual o elemento mais fraco, o menos apelativo, o menos competitivo, é marginalizado pelo colectivo.

É um mau elemento, desaptado, sem culpa nem pecado, um fruto da Natureza que não convém perpetuar neste mundo hostil e adverso, onde a vitória está sempre do lado do mais forte, do mais apto.

O mais bonito, o mais inteligente, o mais hábil, não é certamente o que mais precisa, mas é aquele a quem mais estamos dispostos a beneficiar, a amar.

No longo percurso de adaptação às circunstâncias todos os seres se transformaram, mas o homem, não só se transformou a si próprio, como ao meio onde vive, visando a criação de circunstâncias para si benéficas, ou seja, é co-criador intencional do mundo, da sociedade, da sua própria vida.

É, portanto, um sujeito activo (porque participa conscientemente na feitura da realidade factica) e em simultâneo um sujeito passivo ( pois tem por cenário o que vai surgindo, fruto da criação de todos os elementos naturais)

A luta pela sobrevivência leva a que, no Universo, como na sociedade humana, cada um lute pelo melhor para si, e, para que o resultado dessa luta seja favorável ao indíviduo, é indispensável a adaptabilidade.

Ser apto é sê-lo aqui e agora, é o que sobrevive, pelo que se pode confundir, ao nível da sociedade humana, a luta pela sobrevivência com a luta pelo poder.

A luta pelo poder é transversal quer à actividade humana, quer às relações inter-pessoais. Até mesmo a paixão, estado alterado de consciência, que faz do mundo que se vê uma bela realidade, não escapa a ser palco de tal luta.

Por ser em absoluto transversal à actividade humana, o homem, enquanto animal gregário, é também um animal político, por isso a guerra é própria ao homem, tal como o é inerente ao Universo.

A diferença está em que não somos capazes de ignorar a nossa outra vertente natural, a do sentimento, a da racionalidade, por isso, ninguém defende a guerra, é sempre culpado o outro, e as razões para consumo público, são sempre publicitadas segundo os valores da nossa vertente "humana"...
À sombra dos mais belos ideais cometeram-se, e cometem-se, as maiores crueldades.

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